Não que os demais e vários outros de seus objetivos não sejam, igualmente, exaltantes, mas, reconheçamos, a paz mundial assoma como sua mais elevada, enaltecedora e precípua missão. Atualmente, ela é integrada por 192 dos existentes Estados soberanos; sua quase totalidade. Tem sua estrutura formal dividida em instâncias, dentre as quais, cumpre destacar, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança. Embora a Assembleia Geral, em tese, seja seu órgão deliberativo principal, aquele mais representativo, que decide com ampla legitimidade, pois que reúne e delibera com todos os seus membros. Não obstante isso, é o Conselho de Segurança, composto por, apenas, cinco membros permanentes, com direito a veto, cada um deles, que detém a competência, quase que privativa, de deliberar sobre a paz e a segurança mundiais.
Assim, Estados Unidos, Reino Unido, China, França e Rússia detêm, para si, como instância competente, essa condição “sine qua, non”, o que se traduz, na prática, em que, verdadeiramente, somente eles, os cinco, podem tudo; podem, como de seu mister, incrementar a paz e a segurança internacionais, como podem autorizar a guerra, pelo voto declarado da totalidade, ou da maioria de seus membros, no caso de abstenção minoritária de votos. Somente não pode tudo, desde que algum de seus cinco integrantes exercite seu direito de veto.
Foi o que se deu no caso recente da guerra à Líbia, da autorização ampla de guerra que se concedeu, capaz de abrigar tudo sob o permissivo da dubiedade de seus termos. Autorização patética, encobrindo-se, pretensamente, sob o fundamento de um humanismo sinistro, que permite matar civis de um lado, pretextando salvar civis do outro lado; insofismavelmente, uma guerra de interesses dissimulados. Convém realçar que, desde a criação da ONU, em outubro de 1945, jamais uma deliberação do seu Conselho de Segurança foi substituída, modificada, ou desautorizada pela Assembleia Geral, embora esta detenha, teoricamente, tal prerrogativa, bastando, para tanto, que essa deliberação seja aprovada pelo voto de dois terços de seus membros presentes e votantes; um quorum muito difícil de ser concertado, face ao jogo de interesses comandado pelos países mais fortes, por aqueles, justamente, que integram esse Colegiado poderoso e que se faz incontestável.
Não sei; mas, não sou tão pessimista para ver a ONU como governo mundial único, imperativo, sobre todos os governos nacionais, nas decisões de seu Conselho de Segurança. De outra parte, não estou convencido, também, de que tudo seria melhor e mais razoável através de tratativas diretas entre os países interessados, por meio de tratados diretos…
O fato é que o mundo já não é o mesmo de 1945. Urge, assim, modificações capazes de bem espelhar essa nova realidade. A ONU, por via de consequência, não deve ser algo estático, inalterável, definitivamente pronta e acabada; deve conformar-se à nova realidade, postar-se ao comando dos novos tempos que já desautorizam e exigem o fim dessa hegemonia quíntupla, pois que ela já não exprime, substancialmente, os interesses da paz e da segurança mundiais. O Brasil, a Índia, a Alemanha e África do Sul, dentre tantos outros reivindicantes, são legítimos candidatos para ocupar os novos assentos no Conselho de Segurança, reforçando-lhe a autoridade, dando-lhe legitimidade e coerência.
Sem essa adaptação ao hoje, a ONU, criada para fomentar a cooperação em matéria de direito internacional, de segurança nacional, de desenvolvimento econômico, de progresso social, de diretos humanos e, sobremaneira, para a realização da paz mundial, estará fadada a cumprir, cada vez mais, autorizações de guerra, nem sempre defensáveis, mais das vezes de interesses não confessáveis; sobretudo contra países frágeis assentados sobre riquezas energéticas ou não.
Sobre o autor
Murillo Rocha Mendes
Membro da Academia Alagoana de Cultura